Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência: conheça pesquisadoras que atuam pela igualdade de gênero na UFC
- Sexta, 09 Fevereiro 2024 14:38
No próximo 11 de fevereiro, celebra-se o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, data estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015 com o objetivo de reconhecer o papel fundamental das mulheres na área científica e fomentar a igualdade de gênero. A equidade de tratamento e de oportunidades ainda é uma realidade distante no tema, conforme apontado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Pouco mais de 30% dos pesquisadores do mundo são mulheres, e nas STEM (sigla em inglês para definir Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), consideradas estratégicas para a economia global, apenas 35% dos estudantes de todo o mundo são do sexo feminino.
No Brasil, o cenário não é melhor, destacando-se ainda o "efeito tesoura", ou seja, a dificuldade de progressão para as mulheres na carreira acadêmica e na ocupação de cargos de liderança na docência e na gestão. Uma pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), revelou que, embora as mulheres sejam atualmente a maioria das pessoas com títulos de pós-graduação no País, sendo 55% no mestrado e 53% no doutorado, elas ainda são a minoria no magistério do ensino superior. Na Medicina, por exemplo, 61% dos titulados com doutorado são mulheres, mas na docência elas representam apenas 45% do efetivo. Nas Ciências Agrárias, a discrepância é ainda maior, sendo 51% de doutoras e apenas 26% de professoras permanentes.
Além de serem minoritárias no corpo docente em universidades e institutos de pesquisa, sendo 42% dos professores, as mulheres sofrem com menor investimento direcionado para as suas pesquisas. Em 2022, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) destinou cerca de duas vezes mais bolsas PQ para homens, no total de R$ 180 milhões, do que para mulheres, com somente R$ 94 milhões.
Face ao panorama desafiador, instituições e cientistas têm unido esforços no sentido de aumentar a presença feminina na pesquisa e na docência. Conheça agora a história de pesquisadoras da Universidade Federal do Ceará (UFC) que atuam por uma ciência mais inclusiva para as mulheres.
MATERNIDADE E CIÊNCIA – A biotecnologista e doutoranda em Medicina Translacional pela UFC Laís Oliveira conhece bem o preconceito em relação às mães pesquisadoras. Quando estava no último semestre da graduação, aos 22 anos, tornou-se mãe e, desde então, vem conciliando a ciência e a maternidade em sua rotina.
“Há um estigma devido à percepção de que a maternidade pode prejudicar o desempenho acadêmico. O fato de ser mãe e ter mais demandas pessoais não é levado em consideração no cumprimento de prazos e metas de publicações. O ambiente acadêmico é muito competitivo e com altas demandas, gerando estresse e culpa por não poder dedicar mais tempo à família. O sentimento é de que, apesar de ter a mesma capacidade técnica, a concorrência é desleal”, comenta.
Integrante do movimento Parent in Science, Laís hoje atua para disseminar informações sobre direitos a outras estudantes da UFC que são ou tornam-se mães na graduação e na pós-graduação. “Na época, nem sabia do direito de realizar atividades em domicílio. Hoje, tento combater essa desinformação. Desde 2020, faço parte do núcleo Nordeste do Parent in Science e estamos presentes em seminários e palestras trazendo a maternidade para o centro da discussão, principalmente dentro da UFC. A principal finalidade é incentivar inicialmente as políticas de apoio locais e tornar o ambiente acadêmico mais inclusivo e acolhedor para as mães”, afirma.
POLÍTICAS PÚBLICAS – Embaixadora do Parent in Science no Ceará, a jornalista e servidora técnico-administrativa da UFC Narjara Pires defendeu, em 2022, no Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas, o trabalho “Mulheres na ciência: uma avaliação das políticas públicas de apoio à maternidade implementadas no âmbito da pós-graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC)”. No estudo, Narjara fez análises documental e bibliográfica, e entrevistas em profundidade com 17 mulheres estudantes e egressas de oito programas de pós-graduação da UFC, entre mestrado e doutorado, com idades entre 26 e 39 anos, sendo uma negra, uma indígena, sete pardas e oito brancas.
Além disso, foram entrevistados sete coordenadores de pós-graduação, três mulheres e quatro homens, além de um gestor e uma ex-gestora da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFC. De acordo com a pesquisadora, foi detectada a necessidade de melhorias nas políticas existentes, principalmente relacionadas ao apoio à maternidade.
“Percebi na minha pesquisa que várias questões de diferentes esferas impactam na trajetória da mulher, como a questão econômica, de divisão de tarefas com o companheiro, rede de apoio e até mesmo tratamentos diferentes de acordo com o programa de pós-graduação, pois em alguns deles a maternidade é tratada como tabu. Mas a questão da maternidade não pode estar no campo da subjetividade, isso tem que estar no campo do direito, tem de ter políticas que as apoiem”, detalha Narjara.
Ainda segundo a pesquisadora, um dos maiores obstáculos para as pós-graduandas entrevistadas foi conciliar dedicação à família e à pesquisa. “As dificuldades são principalmente relacionadas ao tempo, porque os prazos atuais são pensados para pessoas com vidas lineares, e a gente sabe que a maternidade implica essa questão. Encontrei muita angústia relacionada a isso, mas é preciso normalizar essas pausas, pois elas fazem parte da vida humana e do desenvolvimento da sociedade. A gente precisa de políticas que considerem essas pausas e não penalizem as mulheres”, defende.
Para Narjara, as políticas públicas de apoio à maternidade representam tanto uma reparação histórica para as mulheres quanto um avanço na pesquisa científica no Brasil. "Quando uma mulher que é mãe abandona a sua trajetória como pesquisadora, a ciência perde em diversidade de olhares, vivências e experiências. O tema tem se tornado maior, as mulheres têm denunciado mais e a sociedade está discutindo o assunto, o que contribui positivamente para que as regras sejam mudadas. A gente não quer deixar de ser mãe, a gente quer mudar o sistema e pelo barulho que a gente tem feito algumas coisas têm mudado, mas precisa mudar muito mais, não só legislação, esfera institucional, mas a sociedade como um todo”, afirma.
MENINAS NAS STEM – Foi durante a participação de um evento em Manaus, em uma mesa-redonda sobre a presença de mulheres na tecnologia, que a Profª Anna Beatriz Marques, do Campus da UFC em Russas, teve uma ideia: criar um projeto parceiro do Programa Meninas Digitais (PMD), iniciativa da Sociedade Brasileira de Computação que visa equidade de gênero nas carreiras de Tecnologia da Informação e Comunicação.
“Lembro que foi a primeira vez que pude ouvir sobre o tema e me identifiquei com vários relatos das participantes. Quando cheguei no Campus de Russas, observei que em algumas turmas eram pouquíssimas alunas, assim como havia sido durante a minha graduação. No Dia Internacional das Mulheres, durante a aula de Qualidade de Software, fiz uma pequena homenagem para as alunas e lancei a ideia de criar um projeto com esta temática. Seis delas entraram em contato comigo e assim iniciamos o projeto Meninas Digitais do Vale, com o objetivo de fortalecer a participação feminina na área de Computação na região do Vale do Jaguaribe”, relembra.
Ativo desde 2018, o grupo inclui em suas atividades palestras, fóruns e rodas de conversa sobre o tema, bem como visitas a escolas e oficinas de curta duração sobre programação, com foco em personalidades femininas do segmento. Além disso, são realizadas publicação de artigos científicos e mentorias acadêmicas para o acolhimento e a ambientação de alunas ingressantes dos cursos de Engenharia de Software e Ciência da Computação.
"Em média, temos a cada semestre 20 alunas atuando ativamente no projeto. Nosso foco é no principal evento sobre esta temática na comunidade de Computação, que é o Women in Information Technology (WIT), que ocorre anualmente no Congresso da Sociedade Brasileira de Computação (CSBC). Em 2023, ganhamos o prêmio de melhor artigo completo do workshop, e este ano fui convidada para compor o Comitê Gestor do PMD, o que foi uma imensa alegria, pois reflete todo o caminho que estamos trilhando e como estamos crescendo juntas”, avalia a docente.
Junto a outras ações do Campus de Russas voltadas à inclusão de mulheres na ciência – o Mulheres de Aço, direcionado para alunas de Engenharia Mecânica, e o Filhas de Edwirges, que tem como público-alvo as alunas de Engenharia Civil –, o Meninas do Vale fundamentará o Núcleo Interdisciplinar para a Diversidade de Gênero na Ciência, Tecnologia e Engenharia (NICITE), que inicia as atividades este ano. Cadastrada como projeto de extensão, sob coordenação das professoras Anna Beatriz Marques, Silvia Viana e Daniela Machado, a iniciativa visa unir os conhecimentos teóricos e práticos dos diferentes cursos de STEM.
Em sua programação já constam três atividades próximas: o III Encontro de Mulheres na Ciência, Tecnologia e Engenharias, que será realizado no dia 12 de março, no Campus de Russas; a identificação de soluções para a desigualdade de gênero nas áreas de STEM; e a implantação de uma estação meteorológica em Russas, de modo a promover o acesso multidisciplinar para as estudantes ingressantes dos cursos de Ciência da Computação, Engenharia de Software, Engenharia Civil e Engenharia Mecânica.
“Ações afirmativas são necessárias para apoiar a inclusão, a progressão e permanência de mulheres. Precisamos abordar abertamente sobre o que é ser mulher na ciência, de uma forma mais humana, empática e transparente. Ainda vemos muitos eventos de STEM sem a participação de mulheres da área. Não é por falta de mulheres, é por falta de abertura para que estas mulheres estejam presentes. Se uma aluna participa de uma mesa-redonda sobre uma área que deseja atuar e não vê nenhuma mulher participando ativamente, como ela vai se identificar e acreditar que aquela área é para ela também? Representatividade é muito importante”, preconiza a Profª Anna Beatriz.
MULHERES NA GESTÃO – Mesmo antes de atingir a posição de primeira mulher eleita vice-reitora da UFC, a Profª Diana Azevedo já atingia marcos históricos: em 2023 ela integrou o ranking Best Scientists, na área de Química, que elencou os melhores cientistas de todo o mundo. Pesquisadora PQ-1A do CNPq, Diana ainda é a única mulher latino-americana a integrar a Sociedade Internacional de Adsorção.
Em meio a um currículo impecável, com diversos títulos e honrarias, destaca-se a frase no seu Lattes: “É mãe de três filhas, nascidas em 1994, 2001 e 2003”. A menção é mais do que orgulho materno, mas um ato político. “O simbolismo desta menção é, em primeiro lugar, visibilizar que mulheres pesquisadoras são sobretudo mulheres e podem e devem ter a possibilidade de serem mães e ascenderem em uma carreira científica. O outro simbolismo é sinalizar que a trajetória das mulheres pesquisadoras nem sempre ou quase nunca é linear em termos dos principais indicadores característicos da produção de um pesquisador e isso em si não pode ser considerado demérito ao seu trabalho”, enfatiza.
A busca pela equidade de gênero tem sido uma premissa da atual gestão da UFC, pontua a vice-reitora, com a paridade entre homens e mulheres ocupantes de cargos da Administração Superior e interlocução com entidades como a Secretaria Estadual de Defesa das Mulheres. Outras iniciativas anunciadas em janeiro deste ano foram a ampliação do Auxílio-Creche e a possibilidade de que as mães de crianças com menos de seis anos possam levá-las ao Restaurante Universitário (RU) para se alimentarem gratuitamente.
“Encontramos na UFC um cenário cada vez mais inclusivo para as mulheres na ciência, porém de modo ainda tímido. Os principais desafios são proporcionar condições dentro da Instituição para que mais mulheres ocupem espaços em todas as esferas hierárquicas e em todas as áreas do conhecimento”, considera.
Avalia Diana Azevedo que fatores socioeconômicos e étnico-raciais impactam na participação e permanência das mulheres na ciência no Brasil e, por isso, devem ser levados em consideração pelas instituições na elaboração de políticas de inclusão. "Creio ser indispensável para as instituições públicas e privadas do mundo do trabalho implantarem programas de letramento sobre os vieses inconscientes relacionados não somente a gênero, mas também a etnia, práticas religiosas e pessoas com deficiência (PCDs). Pessoas com vulnerabilidade socioeconômica são normalmente excluídas da carreira de pesquisador por terem que trabalhar precocemente. Esse quadro é ainda mais cruel para as mulheres, pois adiciona-se o fato de a janela reprodutiva coincidir com a fase mais exigente da carreira”, explica.
Anuncia ainda a vice-reitora que a UFC está estudando a replicação de uma prática afirmativa adotada pelo CNPq, sobre a ampliação da janela temporal para mulheres que deram à luz durante o período de avaliação, para fins de julgamento de bolsas de produtividade em pesquisa. “A UFC está em período de revisão de normativos internos e uma das minhas propostas é que adotemos prática análoga na avaliação para fins de progressão funcional”, declara.
Fonte: Secretaria de Comunicação e Marketing (UFC Informa) – e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.