Projeto da UFC é pioneiro no pedido de tombamento cultural de territórios quilombolas no estado do Ceará

A Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com a Associação dos Remanescentes de Quilombola de Encantados de Bom Jardim (Arqueboj), realizou o primeiro pedido de tombamento cultural de territórios quilombolas cearenses: Encantados de Bom Jardim e Lagoa das Pedras, situados no município de Tamboril, na região do Sertão de Crateús. O processo de declaração de tombamento foi instaurado junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em maio de 2025, pelo projeto de pesquisa e extensão Clínica de Acesso a Direitos da UFC, por meio do subprojeto Quilombos e Patrimônio Cultural: Construção Coletiva no Ceará. Após passar por análise técnica, o processo aguarda os próximos passos formais de avaliação e aprovação final pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, através da superintendência do Iphan no Ceará.

Vinculado ao Instituto de Arquitetura, Urbanismo e Design (Iaud) da UFC e apoiado pelo Programa de Promoção da Cultura Artística (PPCA) da Pró-Reitoria de Cultura (Procult) da universidade, o projeto capacita as comunidades para proteger sua memória e identidade por meio de oficinas, rodas de conversa, exposições e apoio na elaboração de dossiês. A iniciativa tem como objetivo valorizar e salvaguardar o patrimônio cultural afrodescendente e quilombola, oferecendo assessoria técnica e promovendo ações educativas e culturais. Os territórios de Encantados de Bom Jardim e Lagoa das Pedras já tinham o reconhecimento oficial das terras pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas faltava a proteção do patrimônio cultural pelo Iphan.

Imagem: pessoas em torno de uma mesa posam para foto

O coordenador do projeto e representante da Clínica de Acesso a Direitos da UFC, Rafael Vieira de Alencar, explica que o impacto do tombamento desses territórios “beneficiará diretamente as famílias quilombolas locais, fortalecendo sua identidade e visibilidade, e indiretamente toda a sociedade cearense, que passa a ter reconhecido e protegido esse valioso legado cultural”, destaca. Ele afirma que essa conquista é um marco histórico, pois abre caminho para o reconhecimento oficial desses territórios como patrimônio cultural. “Encantados do Bom Jardim e Lagoa das Pedras serão formalmente contemplados pela proteção do Iphan, garantindo preservação não apenas do solo que ocupam, mas de toda a riqueza cultural ali existente, desde os saberes e celebrações até os laços comunitários construídos ao longo de gerações”, ressalta.

Nesta sexta-feira (16), representantes da UFC e do Iphan farão uma visita à comunidade, momento solene de agradecimento às instituições que participaram do processo de tombamento. “A inovação reside tanto no conteúdo, a salvaguarda de um território quilombola inteiro como patrimônio cultural, quanto no processo participativo adotado, reforçando o protagonismo das comunidades na preservação de sua história e cultura”, afirma Rafael. Estarão presentes os professores do Iaud Rafael Vieira e Mario Fundaró; a diretora do Museu de Arte da UFC (Mauc), Gracielle Siqueira; a professora Helena Stela Sampaio, do Centro de Ciências Agrárias (CCA); a professora Veronica Viana, do Centro de Ciências, além da deputada estadual Larissa Gaspar.

COMUNIDADE - Ao todo, 100 famílias habitam a área de 952 hectares, unindo os territórios de Encantados de Bom Jardim e Lagoa das Pedras. O presidente Arqueboj, José Renato Ferreira, conhecido como Renato Baiano, destaca que, para a comunidade quilombola, “o tombamento é fundamental para fazer o resgate histórico da religiosidade, da nossa identidade e territorialidade, resgatar e preservar a nossa cultura. E também a importância de dar visibilidade à luta do nosso povo”.

Os quilombos de Encantados de Bom Jardim e Lagoa das Pedras são antigos, mas somente a partir de 2005 as comunidades despertaram para a formalização dos processos de reconhecimento e proteção dos territórios. Renato explica que, até então, eram consideradas comunidades comuns de agricultores familiares. Ao unificar os territórios em busca de garantia de direitos, as comunidades se fortaleceram e ganharam visibilidade. “Estamos aqui até hoje, resistindo, na luta para resgatar nossas origens, nossa cultura e religiosidade, habitar e fazer gestão do território quilombola e buscar políticas públicas de reparação e direitos ao nosso povo", afirma. Ele destaca ainda que a comunidade tem planos para o território, como a criação do primeiro museu quilombola do estado do Ceará, a construção de uma escola audiovisual e de uma escola de cultura alimentar destinadas ao desenvolvimento das comunidades quilombolas do estado.

PATRIMÔNIO - Conforme a Portaria Iphan 135, de 20 de novembro de 2023, são declarados os tombamentos de sítios que albergam comunidades remanescentes de quilombola, detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos no Brasil. Embora a Constituição Federal de 1988 (art. 216) reconheça as manifestações culturais como patrimônio a ser protegido, não existia uma norma específica para tombar territórios quilombolas. Somente a partir de 2023, com a nova portaria firmada no Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, foram estabelecidos os procedimentos formais para o tombamento cultural de territórios quilombolas no Brasil.

Com a base legal disponível, a equipe do projeto da UFC, em conjunto com as comunidades, preparou um dossiê completo e protocolou a solicitação junto à superintendência do Iphan no Ceará. “Nunca antes uma comunidade quilombola cearense havia conseguido acionar esse instrumento de proteção cultural, justamente pela ausência de regulamentação específica até 2023”, explica Rafael. Ele destaca que o tombamento dos territórios foi encaminhado de maneira participativa e fundamentada, seguindo a recente regulamentação do Iphan. “Além de inaugurar essa prática no Ceará, o projeto serve de modelo e inspiração nacional, demonstrando na prática como universidades e comunidades tradicionais podem cooperar para efetivar os direitos culturais previstos na Constituição”, conclui o coordenador do projeto.

As demais comunidades quilombolas que tenham interesse em passar pelo processo de tombamento com apoio da Clínica de Acesso a Direitos da UFC devem enviar mensagem para o e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

Fonte: Clínica de Acesso a Direitos da UFC - e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.