Diante da ameaça de robôs, concludentes empunham diploma e reafirmam sua posição no mercado e na sociedade
- Sexta, 29 Agosto 2025 14:29
- Escrito por UFC Informa
Ainda em meados do século XIX, o escritor britânico Samuel Butler publicou um texto no qual especulava que máquinas poderiam evoluir, tal como organismos vivos, a ponto de superar os humanos. Intitulado Darwin entre as máquinas, o ensaio alertava que a humanidade poderia estar “criando seus próprios substitutos”. Desde então, a ideia só se expandiu, e hoje, com o vertiginoso avanço da inteligência artificial, ela vem assustando muita gente com diploma na mão.
Diante de uma Concha Acústica lotada, composta por 518 concludentes do campo das Humanidades e seus respectivos familiares e amigos, a professora Juliana Diniz Campos, da Faculdade de Direito, defendeu a ausência de fundamento em tal medo: “É possível que muitos de vocês tenham lido ou escutado algum novo profeta afirmar que, no futuro próximo, as humanidades serão dispensáveis. Que uma máquina artificialmente inteligente irá substituir o trabalho dos juristas, dos pedagogos, dos economistas, dos jornalistas, dos tradutores, dos escritores, dos sociólogos, de todos aqueles que se dedicam ao humano. [...] Peço a vocês que não acreditem nisso”.
CONFIANÇA – A oradora docente da cerimônia de colação de grau da Universidade Federal do Ceará, na noite desta quinta-feira (28), justificou: “Confiem na universidade e na experiência de humanidade que ela proporcionou a vocês. Neste futuro quase presente que viveremos em meio aos robôs e às máquinas pensantes, necessitaremos cada vez mais daqueles que estudaram e que compreendem aquilo que só nós temos, aquilo que os robôs não acessam: a nossa fragilidade”.
É essa fragilidade que nos torna humanos. É a partir dessa condição que construímos a nossa esperança, elemento indispensável para que possamos “nos salvar do fim do mundo”, como salientou a professora. Desta humanidade, tão demasiada, composta de fragilidade e esperança, vestiam-se Ana Paula Rodrigues e seu filho, Raphael César Ferreira. Empurrando a cadeira de rodas de Raphael e exibindo um sorriso que parecia não caber no rosto, ela recordava das tantas outras ocasiões nas quais fez aquele mesmo movimento.
As memórias, contudo, não eram tão felizes. Na busca por garantir a educação básica de seu filho, Ana Paula se deparou com portas se fechando: as escolas diziam não estar preparadas para receber um aluno com deficiência física. A frustração se transformava em angústia. Ontem, porém, todos esses percalços pareciam já não causar desânimo, pois haviam se convertido em registro de uma história de luta e de vitória. Desta feita, Ana Paula empurrava aquela cadeira para encaminhar seu filho à cerimônia que concederia a ele o título de bacharel em História pela Universidade Federal do Ceará.
Poderia um robô se revestir de perseverança e, como eles, superar os obstáculos do caminho? Ana Paula e Raphael foram recusados por escolas particulares, mas insistiram na busca e, na escola pública, encontraram um gesto positivo. “Com o acolhimento que recebemos e a dedicação e força de vontade dele, superamos os muitos perrengues. Com o apoio da escola pública, onde estudou toda a vida, ele conseguiu entrar na universidade”, relembra Ana Paula.
CAMINHO DIFERENTE – Ingressar no ensino superior sempre foi o sonho de Raphael: “Eu queria buscar um caminho diferente daquele que a sociedade esperava da gente”, revela. As dificuldades durante o percurso acadêmico, que existem para todos, mas que, para pessoas com deficiência, são mais desafiadoras, foram contornadas com o apoio dos colegas, dos professores e da coordenação do curso. Agora historiador, Raphael já tem um novo plano: quer ingressar no mestrado. “Um corpo como o meu na pesquisa histórica é muito importante para trazer novos temas e questões sociais. Precisamos ocupar esses espaços”, projeta.
A determinação de Raphael, também compartilhada por tantos outros concludentes ali presentes, não vem incluída nas funcionalidades dos mais avançados robôs desenvolvidos pelas grandes empresas de tecnologia. E, além da determinação pessoal, o apoio da família e dos amigos, tal qual aquele dado por Ana Paula a Raphael, é indispensável nessa jornada. A importância deste suporte foi reforçada pela oradora discente da cerimônia, Kauany Lima Abreu: “Se hoje subimos ao palco para receber um diploma, é porque estivemos nos ombros de quem acreditou em nós”.
Kauany, concludente do curso de Secretariado Executivo – curso que, neste mês de agosto, completou 30 anos de funcionamento –, reforçou a educação como um instrumento de transformação social: “É ela que nos torna capazes de transformar não só a nossa vida, mas também a realidade ao nosso redor”.
A mais nova profissional formada pela UFC dedicou aquela conquista, sua e dos 517 outros concludentes, àqueles que não puderam estar ali, “que tiveram seus sonhos interrompidos pela falta de educação, um direito que deveria ser de todos”: “A diferença entre a minha jornada e a deles não foi talento, mas oportunidade. Que este diploma seja também homenagem às vozes silenciadas, com a esperança de que um dia todos possam transformar suas vidas por meio da educação”.
CONFLUÊNCIA DE FATORES – Referindo-se aos concludentes como “os antídotos contra a dominação da inteligência artificial”, o reitor Custódio Almeida encerrou a cerimônia destacando o papel das políticas públicas na criação de um ambiente mais favorável para a concretização dos sonhos ali realizados.
“Fazemos festa hoje porque vocês cumpriram um percurso muito importante e significativo das suas existências. Vocês tornaram ato, efetividade e realidade um potencial humano de imenso valor pessoal e social: vocês conquistaram a graduação de nível superior. E isto só foi possível porque condições objetivas públicas e determinação individual confluíram”, pontuou o reitor.
Defendendo a importância coletiva daquele feito na vida dos 518 concludentes da noite, Custódio Almeida salientou que “do mesmo modo que nunca seríamos humanos sozinhos, também nunca seríamos felizes sozinhos”. O reitor agradeceu a cada um e a cada uma que “honrou sua passagem na UFC”, e afirmou: “a Universidade Federal do Ceará sempre será a casa de vocês; voltem quando desejarem”.
Na terceira e última noite de colação de grau em Fortaleza deste ciclo, receberam o diploma os concludentes dos cursos de Direito, Administração, Ciências Atuariais, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Finanças, Secretariado Executivo, Biblioteconomia, Ciências Sociais, História, Letras-Libras, Letras, Psicologia e Pedagogia.
SUPERANDO OBSTÁCULOS – A trajetória de Elisabeth de Souza, 33, também foi marcada por muitas adversidades, assim como a de Ana Paula e Raphael. Hoje, porém, ela vê sua vida transformada pela educação. A surdez não a impediu de buscar uma formação superior, e foi através do curso de Letras-Libras que ela encontrou a oportunidade de uma nova colocação profissional.
Moradora de Maracanaú, ela trabalhava na área administrativa de um supermercado e, em 2013, entrou para o ensino superior na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A distância de casa, contudo, adiou os planos, e ela voltou à faculdade em 2020, quando ingressou na UFC. “Eu nem sabia que ela tinha prestado Enem. Só fui saber quando ela já veio se matricular. Ela sempre foi muito independente, apesar de sempre ter contado com nosso apoio”, conta a mãe, Eliane Moura.
Elisabeth aponta que sempre teve o suporte da universidade na trajetória acadêmica. Ontem, com o diploma na mão, ela se dizia motivada a continuar nesse caminho. Já trabalhando como professora de Libras em uma escola de Maranguape, diz que pretende avançar nos estudos: “Quero agora fazer mestrado. Já estou me programando e vou me arriscar longe, em Santa Catarina”, revela, obstinada.
Depois de Elisabeth ter aparecido em casa com a carteira de motorista na mão, sem nenhum dos pais saber sequer que ela havia se matriculado em uma autoescola, a mãe revela: “Não tenho dúvidas que ela vai conseguir esse mestrado. Ela é danada”.
Fonte: Secretaria de Comunicação e Marketing (UFC Informa) – e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.