- Terça, 09 Setembro 2025 12:58
- Escrito por UFC Informa
O Campus de Crateús da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com o Laboratório de Avaliação de Contaminantes Orgânicos (Lacor) do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da UFC, divulga resultados de estudos que identificam a presença de agrotóxicos nos peixes coletados no rio Poti, nos distritos de Ibiapaba e Oiticica, em Crateús.
As pesquisas na região foram iniciadas em agosto de 2024, após moradores do distrito de Ibiapaba encontrarem peixes com alterações nos olhos. Os primeiros resultados foram apresentados em abril de 2025 no trabalho de conclusão de curso da aluna Ana Clara Rosendo Sousa, no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária do Campus da UFC em Crateús, com orientação da professora Janaina Lopes Leitinho, coordenadora do Núcleo Integrado de Pesquisa e Inovação (Nipi) do Campus de Crateús, e coorientação do professor Rivelino Cavalcante (Labomar/UFC).
A pesquisa comparou os níveis de contaminação por agrotóxicos em peixes coletados dentro e fora da Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Poti, e investigou riscos à saúde dos ribeirinhos associado ao consumo dessas espécies. A área de Ibiapaba, com intensa atividade agrícola, apresentou as maiores concentrações de contaminantes nos peixes analisados.
“A utilização cada vez maior de pesticidas na agricultura, especialmente de triazinas [utilizados no controle de ervas daninhas] e organofosforados [utilizados contra pragas sugadoras e mastigadoras], é um alerta quanto aos seus efeitos nos ecossistemas aquáticos, principalmente se levarmos em consideração a influência das mudanças climáticas, como o aumento das temperaturas e a escassez de chuvas no município de Crateús, no interior do Ceará, nos últimos dez anos”, afirma a professora Janaina Lopes Leitinho.
Foram coletados 47 exemplares de peixes no rio Poti, abrangendo diferentes espécies representativas da fauna local. De cada peixe, foi retirado o tecido muscular, escolhido por ser a parte mais consumida pelos seres humanos e, consequentemente, a principal via de exposição a possíveis contaminantes. No distrito de Ibiapaba, localizado fora da APA, as espécies de peixes mais contaminadas foram curimatã e bodó, ambas associadas a hábitos alimentares próximos à várzea do rio. Em Oiticica, que fica dentro da APA Buqueirão, a contaminação foi identificada em algumas espécies, como tucunaré, piranha e bodó.
“O enfrentamento da seca pelos sertanejos, na busca pelo alimento, associado aos desafios do controle de pragas na agricultura induz o uso de pesticidas e o plantio cada vez mais próximo às margens do rio Poti, o que facilita o transporte desses contaminantes para o leito do rio afetando a vida aquática, em especial, os peixes”, alerta a pesquisadora.
RISCO DE CÂNCER - Baseado nos critérios da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA), foi avaliado na pesquisa o risco de câncer nas pessoas que consomem os peixes contaminados. Algumas amostras apresentaram valores de risco carcinogênico acima dos limites aceitáveis. De acordo com a professora Janaína Leitinho, como no Brasil não há parâmetros, foi aplicado na população das duas localidades onde foram feitas as amostragens um questionário elaborado pela USEPA. “Com base nas respostas e nos índices de poluição, foi calculado uma porção diária que pudesse representar uma quantidade mínima de filé de peixe com poluentes que pudesse bioacumular nos órgãos com probabilidade de causar câncer. A pesquisa identificou que a ingestão de apenas 150 gramas/dia de filé de peixe contaminado pode representar risco elevado à saúde humana”, explicou.
Os resultados apontam que a porcentagem média de espécies de peixes contaminadas na amostragem foi de 22%, e as com maior potencial de imprimir risco de câncer em seres humanos foram piau, bodó e cangati. A pesquisa não teve como identificar o motivo dessas espécies apresentarem maior risco.
Janaina Leitinho ressalta que a alimentação do sertanejo pode não ser um fator único e determinante para a incidência de câncer com culminância em óbitos na região. Ela destaca que o câncer pode ser causado por multifatores como tabagismo, consumo excessivo de álcool, exposição solar excessiva, obesidade, sedentarismo, infecções virais, histórico familiar e uma má alimentação.
A professora alerta sobre a questão da segurança alimentar dos povos originários e tradicionais da região, mais vulneráveis nos períodos secos, quando os peixes do rio são a principal fonte de alimentação. “Ações governamentais para a redução dos poluentes no rio Poti, no Ceará e no Piauí, devem ser urgentes sobretudo pela prerrogativa da proteção das pessoas e da biodiversidade da Área de Proteção Ambiental (APA) Boqueirão do Poti”, explica.
A pesquisa também levou em consideração dados do boletim epidemiológico de mortalidade por neoplasias malignas (nº 01|19/02/2024) para a região norte do Ceará, que identificou Crateús como o município com a maior taxa de mortalidade por 100 mil habitantes.
SEGUNDA ETAPA - A segunda etapa da pesquisa no rio Poti foi finalizada em agosto de 2025, com a defesa do trabalho de conclusão de curso da discente Isadora Brandão Parente, também no curso de Engenharia Ambiental e Sanitária do Campus da UFC em Crateús. O objetivo foi avaliar os efeitos dos pesticidas triazínicos e organofosforados na saúde de peixes do rio Poti, nos mesmos pontos de coleta da primeira pesquisa (distritos de Ibiapaba e Oiticica). A pesquisa teve orientação da professora Janaina Lopes Leitinho e coorientação do professor Rivelino Cavalcante.
Foram coletados 39 exemplares de peixes no rio Poti, no mês de agosto de 2024, de nove espécies diferentes: traíra, piau, tilápia, branquinha, piranha, cará-preto, tucunaré, bodó e curimatã. Os resultados evidenciaram a presença de atraton, simetrina, malation e clorpirifós característicos de pesticidas usados no lavradio. O estudo estatístico realizado com a amostragem apresentou níveis semelhantes de contaminantes nos dois pontos de coleta, sugerindo que a APA do Boqueirão do Poti, em especial na localidade de Oiticica, encontra-se contaminada de forma similar à área não protegida (Ibiapaba).
A análise dos índices de saúde Gastrossomático (IGI) e Heptassomático (IHS) dos peixes indicou que a contaminação por pesticidas pode comprometer o sistema locomotor dos peixes, afetando a busca por alimentos, prejudicando seu estado nutricional e suas condições corporais. O IGS apontou mudanças na capacidade reprodutiva dos peixes.
AUMENTO DA TEMPERATURA - Os valores dos índices de saúde revelaram que a contaminação por pesticidas pode ser potencializada com o aumento da temperatura e escassez de chuvas. Nos últimos 40 anos, gráficos avaliados na pesquisa mostram o aumento das médias de temperatura, seguindo tendência linear, referente às mudanças climáticas na região de Crateús.
Segundo o professor Rivelino Cavalcante, coordenador do Lacor-Labomar-UFC e parceiro da pesquisa em Crateús, o aumento da temperatura da água pode ter diversos efeitos negativos sobre os peixes, afetando metabolismo, respiração, reprodução e aumentando o risco de doenças. “Principalmente se levarmos em consideração que o leito do rio Poti está cada vez mais raso devido ao assoreamento, tornando-o mais suscetível à evaporação, com consequente aumento da concentração de poluentes”, explica o professor.
Estudos no tecido hepático das espécies coletadas mostraram que a exposição acentuada a pesticidas provoca alterações celulares, comprometendo as funções de desintoxicação do fígado. “A exposição prolongada a esses contaminantes pode gerar efeitos crônicos afetando populações, resultando na extinção de algumas espécies nativas, importantes para a diversidade do ecossistema aquático da Caatinga cearense”, destaca.
Os resultados das pesquisas apontam que o monitoramento ambiental é indispensável e deve ser intensificado em todo o percurso do rio Poti. “A saúde dos peixes não só abala o equilíbrio e a preservação do ecossistema, mas também pode afetar a saúde das pessoas. Por isso, é imperativo planejar e executar medidas para a redução de contaminantes”, conclui a professora Janaína Leitinho.
Fonte: Janaina Lopes Leitinho, professora do Campus da UFC em Crateús, coordenadora do Nipi-UFC Crateús, membro do conselho do Mestrado Profissional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (ProfÁgua), conselheira e secretária do Parque Estadual do Cânion Cearense do Rio Poti - e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.